quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Malas à cama

Aquela tarde que começara mal ainda me guardara uma surpresa.
A luz batia em seu rosto de uma forma singular, senti naquele momento que nunca mais veria rosto algum com tanta forma e graça.
O amor nunca é tão cruel como quando você acha que ele vai acabar.
Ela olhava um retrato pintado em 7 de abril de 1875. Lembro-me bem deste dia. Foi um dia como outro qualquer, pic-nic no parque central. Conversamos sobre o dia, sobre o amor, sobre nós, sobre a sogra engraçada da mesa ao lado, a vida, a morte e o que separa essas duas partes.
Vendo ela olhar o retrato com tanta melancolia, recordei-me daquele dia comum com um intimidade inesperada. Eu, naquela época, era convicto da infinidade e da plenitude.
Quando percebeu minha chegada, era como se o olhar que ela me dera não pertencesse a nossa história. Tinha uma frieza que me congelou e que me fez sangrar com o copo de vinho que se soltara da minha mão manchando pra sempre o tapete Persa pelo qual passamos horas a fio em sua procura, quando a ternura ainda não havia se perdido.
Em que momento o nosso amor se esvaiu? Que movimento para esquerda ou para direita o transformara nisso?
Parecia que um tornado tinha visitado nosso quarto, a camisa de botão dourada, no chão, o porta-jóias revirado, o vestido de ceda mal dobrado.
Eu acreditava também que mesmo que os amantes se perdessem o amor ficaria, e com um casamento que transcendia através do tempo, não havia como amantes se sustentarem.
Fui em sua direção sentindo paradoxalmente prazer e morte, amor e ódio. " Não. É melhor que você não me toque." Foi a pior coisa que ela me dissera em uma vida inteira de dedicação e companheirismo.
olhei para o espelho a meu lado esquerdo e percebi a lágrima que corria errante pela minha face. Isso não poderia acontecer. Sempre era tão cômodo estar a sua presença. E somente nesse momento percebi que um dia, não sei quando, eu havia parado de conquista-la. Ato esse que feria como adaga o mundo perfeito e ilusório daquele rapaz apaixonado em busca de uma vida inteira, no dia 7 de Abril de 1875.



_______________
19 de Junho de 2005
Fabiano Rabelo

Nenhum comentário:

Postar um comentário