quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Pequenos desencantos

Acordei como se acorda todos os dias, cheio de remela nos olhos, com a cara toda marcada. Eram duas horas da tarde. Meu café da manhã? Pizza de ontem com coca sem gás, comi sem sequer esquentar no microondas. Tem dia que a gente não pensa em comer uma fruta logo quando acorda.
[Levanta se arruma e corre]
E se deitado na cama eu estava, lá eu fiquei até as quatro horas da tarde. Nesse meio tempo ainda assisti a um filme velho e ruim na TV. Quando, por algum motivo eu não esteja bem, ligo a televisão na esperança de estar passando um ótimo filme, é que eu sou suscetível, sempre me emociono com histórias bonitas, e sempre espero ver uma assim passando desprevenida na TV.
[Levanta se arruma e corre]
Acho que eu e sou um idiota qualquer, sem expectativa, sem presença de espírito. Gosto das histórias dos suicidas e dos deprimidos, mas não me deprimo com frequência, fico feliz a cada vez que me sinto deprimido e a depressão passa.
[Levanta se arruma e corre]
Quando eu me levantei, podia ter tomado um banho, escovado os dentes, ou ao menos ter dado boa tarde ao porteiro do prédio, no entanto, não escovei os dentes, não dei boa tarde a ninguém, e assim como quem tem algo a perder, calcei os sapatos com uma meia de solado marcado, e saí de casa pra mais um dia de aula. Troca de roupa, aquece, treina, treina, trabalha, potência vocal, potência vocal, senta em círculo, e sussurra pra colega do lado “eu me sinto um poço de energia eternamente enclausurada”. Na volta pra casa essa sensação de dor no peito, e vontade de arruma a vida, levantar de novo e sair correndo em disparada…
Talvez o melhor seria eu parar por aqui e dizer apenas que tive um dia triste, sem nenhuma poesia.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Areia

Me entreguei de peito aberto ao tranco. Ver se eu conseguia sobreviver ao impacto. Debrucei do décimo quinto andar do prédio onde morava, fechei os olhos e por um segundo lembrei, lembrei de tudo que havia de relevante pra ser lembrado. Dias cinzentos e chuvosa de uma dessas férias de inverno, o primeiro beijo na biblioteca da escola, a primeira paixão na coxia do teatro, o primeiro tombo de bicicleta… depois um misto de sensações no peito, primeiro um nó, depois um alívio, ainda uma dor, depois o desalento. A solidão do último instante é única solidão real. E de lá do décimo quinto, sem carta de despedida, sem angustia, sem ressaca nem ressentimento, apenas pra ver se conseguia sobreviver ao impacto, em um dia desses de sol forte, eu pulei.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Retrato em retalhos

O tempo todo como era óbvio o contentamento descontente;
Como isso era claro, óbvio;
Como ouvidos poderiam ser violados com bobos segredos lindo e indecentes.

Como eu poderia imaginar, na minha tola experiência que alguém assim, tão perfeito, tão cheio de forma e graça poderia calçar com tanta precisão o sapato perdido na escadaria? Não é tolice pensar que você pode gostar de alguém e ser retribuído?

O primeiro amor passou... o segundo amor passou... o amor simplesmente passou e você só me deu o que era confortável dar...



Drummond de Andrade
Paulo Rocha
Fabiano Rabelo