terça-feira, 25 de março de 2008

A redução do tempo




O samba e a bossa lá fora,
Eu aqui dentro,
Sério, guardado.
Calmaria e lentidão.

Um estúpido ruído no meio do vento,
Atrapalhando as coisas fúnebres.

A vida é assim,
Às vezes apenas vivida.
A crosta cresce e absorve os homens sérios,
Enquanto isso o samba e a bossa.


segunda-feira, 24 de março de 2008

Dois minutos


Eu sussurrava, toques eram simples e delicados, você era cobertor quente, eu não via mais nada.
Hoje eu acordei, levantei, e no caminho do meu quarto pra sala eu vi o sol e seus reflexos, sentado à mesa eu olhei pela janela e percebi a brisa da manhã, indo tomar banho, eu vi os CDs espalhados na sala, no caminho pro trabalho eu decidi não ir trabalhar, mas fiquei andando por lugares conhecidos, eu vi a menina que andava de mão dada com sua mãe olhando pra cima, tentando enxergar as pontas dos prédios grandes, eu vi o sorveteiro limpando o nariz no avental. Eu vi dentro do carro um casal brigando e dentro de outro carro um casal se beijando, eu vi que tem uma macieira no meio da cidade, vi que o coreto da praça da liberdade mais parece hotel que coreto, eu percebi que o sol machuca os olhos se a gente olhar demais pra ele, percebi que andar estava me fazendo bem, e que minha calça vermelha não combina mais com a minha blusa azul, eu vi todo mundo indo viver, trabalhar, correr, alongar, estudar, amar, criar, morrer. Eu vi o poço e o fundo do poço, eu vi as chaminés das casas, eu vi o tempo passar, eu vi o mundo em pedaços bem pequenos, eu vi Deus me chamar, eu ouvi o barulho da motoneta velha, eu vi os destroços de uma família inteira. Eu vi as ruas, eu olhei para os passeios e para as pessoas, eu ouvi o vendedor de selos, eu caí em mil bueiros, tudo estava lá, e eu no centro de tudo, gritando, e você não me ouvia

terça-feira, 18 de março de 2008

Prólogo

Olívia – Nos tivemos bons tempos, tempos muito bons.
Casamos por amor, o amor mais arrematador que se viu, era uma explosão a cada encontro. Não havia uma só mulher solteira que não sentisse inveja. (pausa) Fomos felizes. Ainda me lembro de um dia especial, desses que tomam conta das nossas memórias: um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Já me sentia abraçada, sabe? E ele só me olhava. Sentia que não havia no mundo homem mais amante. Sentia como se ele fosse só meu, e era.
Eu como sempre, preparava o jantar a tempo de sua chegada, fazia parte das minhas tarefas. Ainda não consegui entender que mal há nisso, uma mulher que se preocupa em cuidar do marido. E nesse dia ele se sentou sem camisa à mesa. Eu achei aquilo um deslumbre. Um bem aos meus olhos, somente aos meus. Começamos a conversar como fazem os casados. Ele me contou um pouco sobre o seu dia, eu lhe contei alguma coisa nova sobre a novela da TV, ele me falou sobre o livro que lia, eu falei sobre a receita culinária nova, era assim quase toda noite, e quando terminávamos a sobremesa talvez um pouco de TV, talvez uma cerveja e sempre cigarros, ele e os seus cigarros. Nesse dia nada de cerveja de cigarros ou TV, ele ainda à mesa parado a minha frente em um tom de voz suave me convidou a rodar, eu, assustada com aquele convite inesperado, fui correndo ao quarto, peguei um lindo vestido azul que ele mesmo havia me dado, mas que a tempos eu não usava. Escovei os cabelos mas preferi deixá-los presos, calcei os meus sapatos de domingo e quando eu cheguei na sala ele estava lá, de pé, pronto, me esperando. Eu sempre achei isso a coisa mais romântica que se pode fazer, esperar. Demos os braços e fomos a praça. Caminhamos, conversamos, nos abraçamos e por um segundo de desfrute nos beijamos, um beijo eternizado pelo piscar das luzes de natal.
- Cuide do seu amor! É, agora eu estou falando com você. Se um dia você amar cuide bem do seu amor!

(longa pausa)

Olívia - O fim as vezes está mais perto que se pode esperar. Aquele dia da praça estava perto do fim, mais perto que eu imaginava. Fomos felizes sim, mas não somos mais. E sou do tipo que cuida, mas larga se precisar.
De jantar em jantar nossas conversas começaram a ser desinteressantes. Depois da sobremesa eu ia assistir TV e ele ia beber cerveja e fumar o seus cigarros e assim nos fizemos por um tempo, até que um telefonema mudou tudo.



O telefone toca