quarta-feira, 30 de julho de 2008

Carta para consiência

Olá, meu querido, (longa pausa)

(Música: Milord – Edith Piaf)

Eu lembro de você me dizendo dois pontos compre, meu querido vírgula compre muitos cobertores, mas não jogue fora os velhos, eles serão uma das poucas coisas que te farão sentir como na infância ponto Esse foi um dia muito forte pra mim, você na sua cama vírgula eu na cama ao lado, na minha. Você me falando coisas sobre a vida, sobre como é envelhecer, sobre o que era felicidade, você sempre falando o quanto era bonito o outro lado do mundo ponto Os meus olhos arregalados, mas eu sem entender nem uma palavra daquela nostalgia toda! As nossas longas conversas antes de dormir. Era esse o nosso contato de maior proximidade… eu sempre fui frio, sempre quis mostrar pra todo mundo o quanto era independente. Minha primeira viagem sozinho, meu trabalho, meu dinheiro, minha vida… hoje eu vejo que sobrou pouco tempo pra quem eu me importava de verdade... aí a velha infância! Eu acho que minha memória é boa o suficiente pra falar sobre qualquer dia da nossa infância velha ponto Dos nossos velhos tempos, sei lá… eu ainda moleque correndo atrás do trem que passava na porta de casa, achando que se o trem me levasse eu ia parar no outro lado do mundo, longe, longe.. você lembra disso?

(Explosão)

Foi você quem me disse que o trem ia parar tão longe assim. Puta que pariu! Assim tão longe de mim?! Nossas vidas tomaram rumos diferentes vígula eu continuei aqui, porque eu tinha que fazer isso. Eu tinha que continuar! Tudo meu estava aqui, minha vida estava aqui! Minha cabeça estava aqui vígula (longa pausa) minha coragem estava aqui. E ninguém pode contestar isso! Eu não sou como você, eu não consigo largar tudo pra trás e ir... Eu fico com as fotos. Não tem problema, eu fico com as fotos.

Eu não sei mais o que te dizer (longa pausa)…

Um grande abraço,
teu irmão


(Música inicial para respirar – Milord - Edith Piaf)


Por que você foi morrer...



(tensão)

Não importa quantas vezes eu te disse “eu te amo”. Não importa se eu não te disse “eu te amo”. Não importa se eu não te disse “eu te amo”. Não importa se eu não te disse “eu te amo”… eu só queria te dizer queria te dizer… eu te amo é tarde demais?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Fragmentos de uma vida real

Depois de muito tempo sem se ver por um espelho ou pelo reflexo num parabrisa qualquer, ele volta ao ponto de onde partiu. A sensação de que esse ponto se tornou um deserto profundo já era de se esperar. Mas ele tem paciência, ele tem muita paciência. Por isso pára, olha de novo pra tudo como se fosse novo, os móveis velhos, os cantos empoeirados, as riscas de altura na barra da porta... um quase suspiro, pra quem olhava nos olhos dele nesse exato momento pôde perceber que os dez primeiros anos da sua vida passou em um pequeno e profundo suspiro, num deserto profundo. Estar de sapatos novos, camisa branca de linho, terno preto, e tudo que se tem a venda nesse mundo grande não faz a menor diferença, e os olhos dele choram sem que ninguém possa ver. Não há mais ninguém ali. Ele não estaria neste deserto profundo se o acaso pudesse fazê-lo reencontrar alguém.
Eu acho que isso é só um grande medo de ter a certeza de que ele nunca vai conseguir mudar o seu passado, mudar o lugar de onde veio. Ou ainda, talvez, seja o medo de que os seus o vejam assim em um deserto profundo. Ele ainda demonstra acreditar que isso tudo que se tornou tem a ver com sucesso. Mas nós que cá estamos sabemos que é ele que anda empoeirado.
-A casa amarela, o quintal grande, a cerca de madeira ao fundo... É só uma memória, sem nostalgia, está lá atrás, mas não se vai como as outras. Eu aprendi a ser gente grande, maior bem maior que o quintal. Saibam que quando eu sair daqui, eu volto pra um lugar melhor. Um lugar onde eu escolho como me sentir. O lugar do sucesso, lembrem disso! Eu escolho!
em um olhar de lágrimas tudo se desfez. Acabou. Já acabou, acabou.