A
imagem de pessoas dançando em público nunca saiu da minha cabeça. Nunca. Porém,
ultimamente quando penso nisso, embarco com tanta vontade neste pensamento, que
chego a me perceber ofegante quando me assusto e noto que nada do que está se passando
está além dos meus pensamentos. E essa sensação tem ficado cada vez mais séria.
Antes, quando eu estava caminhando no meio da multidão, anônimo, ou quando eu
estava esperando no ponto do ônibus, eu começava a imaginar um casal dançando
uma dança qualquer, assim sem música mesmo, no meio de todo mundo. Era fácil
distinguir o que se passava na minha cabeça e o mundo real que estava ao meu
redor. As pessoas andando, absortas em seus pensamentos ou em seus assuntos
particulares e eu imaginando dançarinos. Tudo convivendo com harmonia. Tudo indo bem. Eu respirando e expirando. Até
que um dia, depois de ter feito uma
prova dessas bem cansativas, eu fui até uma estação de metro e mesmo tendo
bancos disponíveis resolvi esperar de
pé. Quando pisei na estação, vi um rapaz
esbelto, bonito e ao mesmo tempo atlético também por lá, esperando, no seu
mundo particular, articulando seus pensamentos. Só o vi, nada mais. Caminhei
até a linha amarela, o limite de onde se pode andar e fiquei lá parado,
deixando os pensamentos irem e virem da minha cabeça antes de chegar o
trem. De repente quando olhei para o
trilho do trem, vi o rapaz executando passos de dança moderna. Meia ponta e
torções. Sem música, mas com ritmo bem definido, suspendendo o tempo na estação
do metro. Aquilo foi de fato chocante,
eu conseguia ver nos olhos do rapaz toda angústia que se podia vazar pelos
olhos de um bailarino de dança moderna. Quando olhei para os lados, percebi que
somente eu via o rapaz se arriscando nos trilhos do metro. Aquela coreografia
tão essencial. Quando o trem passou sem
o menor receio sobre o rapaz, sem nem um piscar de olhos do maquinista e sem
nenhum alarde dos outros que estavam
ali, eu não consegui respirar. Fui tomado por uma explosão interna que não poderia
explicar. Até que o trem parou na minha frente, e quando olhei para o lado vi o
mesmo rapaz que estava dançando nos trilhos entrar com a mesma cara que estava
antes de tudo começar. Sem ter de fato dançado um segundo sequer. Eu ofegante.
Impressionantemente ofegante. Invadido, transtornado. Indignado com fato de ter
sido enganado por algo tão real, que na verdade não era real. Tivesse sido esta
a primeira e última vez então. Mas não, isto foi se repetindo. E cada vez mais.
Um outro dia, as pessoas começaram a dançar de forma tão contagiante no meio de
todos, que quando acordei dessa estranha narcolepsia, eu estava dançando sozinho em plena praça
Raul Soares, ofegante. Ao lado da fonte que toca música clássica.
Estou me tornando um refém. Sem opções. Este
relato pode ser entendido como um pedido de socorro. Cada vez fico mais tempo
vendo essas imagens poéticas como se fossem concretas. Tenho medo do dia que simplesmente não conseguir mais voltar a realidade das coisas. Medo de quando minha vida for totalmente
absorvida por essas alucinações.