sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Pra espantar a solidão

Olá meu querido irmão

Ah! Eu queria começar te descrevendo a saudade que sinto de você, mas acho que isso não é possível por escrito. Então vou logo aos pormenores. Hoje fiquei sabendo, enquanto, a contra gosto da mamãe, eu passeava pela ponte daqui da cidade, que Londres está linda, na ponte eu conheci um casal de franceses que estão pretendendo sair daqui o mais breve possível. Eles já moraram aí e talvez voltem. Espero que você esteja saboreando cada detalhe. Vá ao café que te indiquei, perto do Brook. Este é um lugar perfeito para os aventureiros desta cidade perdida no tempo, conflitante de histórias.
Por aqui as coisas não estão muito claras pra ninguém. As pessoas andam virando bolha, não sei bem como explicar isso, mas de repente, bolha! A cidade está ficando cada vez mais arrasada, ontem mesmo eu perguntei para o farmaceutico da esquina se isso era alguma doença ou vírus, mas ele não quis me responder, e disse ainda que ninguém pode afirmar isso com certeza. As pessoas por aqui ficam especulando apenas. Todo mundo com medo de sair para o trabalho e virar uma bolha. A TV está reduzindo os seus horários de funcionamente, e as estações de metrô não estão mais funcionando. A mamãe, você sabe como é, gastou toda nossa economia para fazer reserva de comida aqui em casa, tem caixas de alimentos não perecíveis por toda parte, está correndo um boato que fecharão os supermercados, padarias e lanchonetes. O prefeito, que pra mim não passa de um bolha, estava dizendo para as pessoas manterem a calma que em breve tudo será controlado, mas que por hora era melhor não sair de casa. E eu não aquento mais ficar olhando as paredes desse muquifo. Está me dando pânico reparar que a cidade está cada vez mais vazia. Os meus alunos não querem mais ir até a biblioteca para eu dar as aulas, então estou indo eu à casa de cada um deles, isso está acabando com meu tempo, mas pelo menos fico passeando e reecontrando pela rua os meus lugares nessa cidade.
Não se assuste, a grande notícia vem agora. O pai (desquitado) do Afran, aquele aluno que eu te apresentei, veio aqui em casa na semana passada e me pediu em casamento, formalmente. Eu não sei bem o que dizer a ele. A mamãe disse que era pra eu aceitar, talvez assim a gente saisse daqui e não correria mais o risco de virar bolha. Eu estou chegando no meu limite. Acho que a bolha não pega todo mundo, porque eu não estou seguindo nenhuma das recomendações e ainda estou ótima. Acho que esse é pior motivo pra eu aceitar esse pedido, mas o pai do Afran é um homem muito delicado, tem um jeito pra lidar com a mamãe que está me deixando assustada. Tanto é que ela é a maior impulsionadora dessa união. Ele é engenheiro, e disse que tinha um projeto pra executar em Vienna. E você sabe o quanto eu sempre sonhei em conhecer a Austria. Racionalmente tudo diz que eu tenho que guardar o meu asno e me juntar a ele, assim eu, a mamãe e até mesmo você podemos contar com melhores tempos. Mas a idéia de me casar com ele não está me deixando muito bem. Não quero que isso seja feito por medo ou por tolice.
Na verdade acho que estou presa a esse lugar. Sei que a bolha é muito ruim e pode acabar de vez com tudo, mas mesmo assim estou começando a achar que é aqui que tenho que morar, podendo até ir conhecer Vienna, mas sei que não posso sair daqui, não por agora, como já disse antes, é aqui que estão os meu cantinhos.
Essa semana ele covidou a mamãe e a mim pra jantar na casa dele, disse que mandaria um carro pra nos buscar e um carro pra nos deixar em casa. Acho que esse jantar é para eu dar minha resposta. E como eu já disse, eu ainda não faço idéia do que responder, enfim. Quando isso se resolver escreverei de novo pra você.
A mamãe chegou ao máximo de me perguntar se eu queria virar bolha. Estou com medo de ela estar ficando louca com tudo isso. Ela não pára mais em lugar nenhum, fica o dia inteiro da sala pro banheiro, do banheiro pro corredor e assim por diante. E com todas essas caixas espalhadas fica ainda mais perturbador. Queria que tivessemos mais espaço até pra que o pânico dela tenha pra onde fugir, e como ela não sai de casa de maneira nenhuma, se limita à sala, ao banheiro e ao corredor do cortiço. Tenho medo de que em algum momento que eu esteja dando minhas aulas ou que eu esteja em meus passeios aconteça alguma coisa. Se ela virar bolha eu estarei sozinha aqui.
Sei que é até injusto ficar te dizendo essas coisas, eu devia te deixar despreocupado para que possa continuar seus estudos em paz, mas como eu sei que sequer deve ler essa carta resolvi desabafar. E tem mais; não queria fazer suspense nenhum, e é bem difícil te dizer isso assim, por carta, mas a Adélia virou bolha. A tia dela disse que se você estivesse com ela ainda, talvez isso não tivesse acontecido. Eu concordo, mas foi a Adélia quem preferiu ficar. Tente não sofrer com isso. Seja feliz aí no máximo que conseguir. A Adélia se vira, pois é assim que todos estamos fazendo por aqui.
Estou lhe enviando o dinheiro que prometi, sei que não é muito, mas espero que dê pra se manter até eu enviar mais. Não sei quando vou poder fazê-lo, pois com a história das bolhas estou perdendo meus alunos, mas fique atento ao correio, enquanto eu tiver algum trabalho aqui você também será beneficiado.
Como sempre vou continuar te escrevendo, espero que algum dia você leia. Tenho saudades indescritíveis.

Com amor, com muito amor, sua querida irmã

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

De impulsos agora, é só o cigarro

Não é o medo de dizer adeus, é começar da estaca zero que me dá medo. De repente tudo de novo. Sei que ainda tenho tempo. O tempo do mundo, e o mundo ao meu redor. Mas eu não vejo mais pra que lado correm as águas. As descidas tem gosto de subida. O sal tem gosto de amargo, o chocolate perde o doce de doce em doce. É preciso sofrer pra saber como é bom o paraíso. Que seja a Terra. Que Seja a terra. Os meus cigarros não estão mais matando a minha sede. Eu que sempre fui só pulmão não consigo mais correr. Era assim que eu fazia. Um pé a frente do outro em disparo. Vem! Me abraça forte, encosta o seu coração no meu, deixa esse estalo leve nos nossos peitos entrarem em harmonia. Simplesmente peito com peito. Eu queria conseguir te dizer realmente, queria que a palavra tivesse o poder que tem o sentimento. É tudo tão forte, tão intenso. Parece que eu sou eu pra sentir. E sentir e sentir, e talvez eu um lugar longe daqui, ser, e sentir, e ser. Bem longe. Mais longe que a distância. Ponto e vírgula. As coisas tem rumo? Onde está a beleza? Eu me lembro do dia em que eu finalmente passei naquela prova. Parecia que era uma prova de vida. Se eu não estivesse dentro eu estaria fora. Mas eu estou dentro. Foi lá que eu gastei o último milímetro de força, se é que força se mede assim. Não sobrou mais nada. Aqueles cinco minutos depois do resultado é o que chamo de felicidade. É começar da estaca zero que me dá medo. O medo maior do mundo. Eu sou o mundo inteiro enquanto eu não penso em mais nada.
Sei que posso, sei que consigo, mas a custo de quê? Pra continuar acordando enquanto os outros dormem eu não quero mais. Já chega. Estrada tem fim? Eu só queria estar confiante de novo. Ainda só sinto, não sou, não sou, não sou. Só sinto. Sinto muito! Eu queria, como em filme já visto e revisto, saber o que estaria por vir, mas sou simples humano às vezes, nas outras vezes eu sempre opto por não existir. Me incomoda ler estas linhas e ver que a loucura tomou conta de mim. De repente eu sou o mundo, de repente eu não existo mais. Onde está a minha beleza? Onde está escondido o meu impulso abstrato? Agora não é mais impulso, é estado. Entender a loucura do meu coração é só em harmonia, é só peito com peito. Deus?! O senhor está aí? Olha pra mim. Agora eu estou em um daqueles momentos de existir. Veja! Eu estou criando, estou entregue ao bem. Cuida de mim? Eu sei que Você não pode andar por mim, mas cuida de mim? Eu estou seriamente precisando de cuidados, estou a ponto de pular, a ponto de me entregar ao vento, e de quanto mais alto eu conseguir. É o suicídio silencioso. Me mostra como eu posso voltar a correr. Só pulmão, só pulmão. Sem sede, sem cigarros. Não dá pra esperar mais, dá-me de volta o disparo. Me ensina como é acordar de manhã, eu cansei de ver o sol nascer. De tanto já ter feito, cheguei a conclusão que sol não nasce, apenas brinca de dar voltas ao mundo. Sol não nasce. Eu cansei de ver o sol girar. me ensina a ser forte de novo. Acredite em mim. Eu sou bom, eu estou pelo bem.
Eu sou bom, eu estou pelo bem. O tempo do mundo. O tempo do mundo, eu tenho o tempo do mundo. O tempo do mundo, e o mundo ao meu redor.. o tempo do … mundo… o tempo.. do…. O Senhor ainda está aí? Tenho a impressão que o tempo de mundo parou. Foi Você?
Como é olhar paras coisas aí de cima? É como no filme, ? Repetido, repetido, repetido… estou com sede.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Pai nosso

Ele espera, o tempo pra ele passa lento, apesar da pressa que tem no coração dele. O dinheiro que um dia teve fechou pra ele as portas do paraíso, e com o tempo se tornou o inferno a sua maior busca, e infelizmente ele confudiu o inferno com o paraíso e nunca mais parou de tentar alcançar a criação e o poder que Deus tem. Pra ele o espelho tem cores heróicas enquanto ele está parado de frente, e eu que não o vejo invertido sinto a presença constante de cores tristes. Talvez ele seja o homem mais triste que já se olhou no espelho, mas o lado bom é que ele nunca na vida, na vida, na vida, vai imaginar que na verdade aquelas cores heróicas não passam do símbolo corrosivo.
“E se Deus quiser, tudo vai dar certo”. Por ironia é essa a frase que eu mais escutei dele nos últimos cinco anos. Não, não é com Deus que ele se vai a cada despedida. Mas o meu amor é incondicional. Eu amo o meu impulso poético, eu amo a minha criação abstrata. Eu sinto a minha presença lírica. E amo a cada despedida.

"Pai nosso"

“E se Deus fosse um de nós?Apenas um preguiçoso como nós”.

Deus está em algum lugar esperando talvez. Mas também, lhe digo com toda a segurança de imenso talvez que ele é um preguiçoso.

“É o homem a praga do mundo, ele ocupa um lugar, consome todos os bens naturais desse lugar, se reproduz feito barata, e quando todo o recurso natural esgota o homem se muda pra algum lugar naturalmente mais rico”.

Deus ensinou a esperar, ele espera. Assim ô: ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………

“ E preciso fazer silêncio pra escutar a voz de Deus”.

- Deus, espero que o silêncio da palavra escrita seja uma dádiva.

“Amém”.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Fechadura da gente

A gente tentou ser feliz um dia. Esse dia acabou, ele só tinha vinte e quatro horas. A gente canta nos cantos dos muros esperando nas filas. A gente é assim, sai cantando às vezes. A gente fica acordado até tarde, a gente gosta de ver o sol nascer. A gente toma café só se tiver dois dedinhos de café no copo. A gente não gosta de xícara. A gente tem medo de altura, mas não diz isso pra niguém, perto dos outros a gente brinca com a altura. A gente não acredita mais em Deus. A gente pede tudo enquanto descansa. A gente sente falta de bons tempos que nem a gente mesmo sabe dizer quais são. A gente tem fome o tempo todo. A gente gosta de chocolate antes do almoço, porque a gente não gosta nem um pouco de regras que não fazem sentido. A gente tem saudade do nosso imão, mas a gente não fala isso pra ele. A gente quer um pouco de carinho de um monte de gente que nem dá bola pra gente. De vez enquando, só em datas comemorativas, a gente diz pra que ama as pessoas que amam a gente. A gente erra, e erra de novo, e tenta aprender, mas a gente nunca aprende, nunca aprede nada. A gente sempre tenta chorar, mas nunca consegue, a gente acha lindo chorar, sabe? Aquelas pessoas que conseguem deitar e chorar e chorar e chorar e quando acordam estão bem melhores, a gente não chora nunca. A gente fala pra todo mundo que corre pra não chorar, mas a gente não gosta de correr, a gente fuma. A gente não conversa a sério com quase ninguém. Só uma pessoa nesse mundo inteiro sabe que eu sou a gente, porque a gente morre de medo de ser doido de verdade. E assim a gente vai levando, quando um caí o outro segura. Quando dói em um o outro morre um pouco. Quando um grita o outro escuta. Quando um não aguenta o tranco, o outro segura a barra. Um da gente adora comédia, e outro vive pelas tragédias. A gente tem sempre um plano, e falar aqui da gente faz parte desse plano.

Um dia em que o arroz e o feijão foram um deleite

Aqui faz calor, ah como aqui faz calor! Essa é a minha terra. O cheiro daqui é mais doce. A grama daqui é mais macia, o dia aqui é mais bonito. Agora eu estou de volta, sou o filho pródigo. Senti saudade do meu pai, senti falta da minha mãe. Você me entende. Se algum momento da sua vida o colo da sua mãe estava longe demais para afagar a sua dor você me entende. Mas agora cá estou eu de novo, deitada na minha cama… .. Com o meu cobertor velho. Eu lembro do papai vindo da rua cheio de sacolas. Um dia em que o arroz e o feijão foram um deleite. Sacolas com cobertores novos. Nesse tempo todo fora deu pra aprender algumas coisas, e uma delas é: compre muitos cobertores, milhões de cobertores se puder, mas nunca jogue fora os que participaram da sua infância, você vai se lembrar deles. Esse cobertor, que agora mais parece pano de chão, era branco de bolinhas azuis, lindo. Ainda quando pequena, talvez dez, talvez nove, eu de mão dada com a mamãe, desviando o caminha da escola sem nenhum motivo real, vi uma boneca numa vitrine com um vestido exatamente da mesma estampa desse cobertor. E acho que não posso referir à minha vida cena mais prazerosa. Aquela era a boneca mais linda que já havia visto. Não haveria criança menina que não concordasse comigo. Daquele dia em diante, eu fiz a mamãe desviar o caminho pra escola todos os dias, só pra que passássemos na frente da mesma loja. De noite antes de dormir eu pegava esse cobertor que está me cobrindo agora - Como eu senti a sua falta! - que ainda não tinha essa cara de velhinho, e brincava, contava histórias, segura assim, como se fosse a minha criança. E era o suficiente. Se lá naquele tempo distante me perguntassem, eu diria que queria sim aquela boneca de vestido de bolinhas, mas agora eu acho que não, eu nunca quis realmente. Imaginar que eu a tinha era o suficiente. Era o suficiente. A vida foi passando e eu perdi o rumo, quando eu olhei minha mamãe não tinha mais colo. Aprendi a dar boa noite de verdade à porteiros. Eles são boa companhia. Aprendi que sonhar é dormir, e que sendo assim, o sonho americano é nada mais que um longo período de sono. Uma pausa na vida. É como se apertasse a tecla mute, em tudo. O silêncio das noites me fez ouvir pra dentro, me fez ouvir que a palavra “sufiente” tem significado, e mais, que tem um significado lindo. Acho que na verdade passei esses anos todos procurando esse cobertor de bolinhas azuis. Achei que podia encontrá-lo em baixo da neve, a minha única boneca.