quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Um dia em que o arroz e o feijão foram um deleite

Aqui faz calor, ah como aqui faz calor! Essa é a minha terra. O cheiro daqui é mais doce. A grama daqui é mais macia, o dia aqui é mais bonito. Agora eu estou de volta, sou o filho pródigo. Senti saudade do meu pai, senti falta da minha mãe. Você me entende. Se algum momento da sua vida o colo da sua mãe estava longe demais para afagar a sua dor você me entende. Mas agora cá estou eu de novo, deitada na minha cama… .. Com o meu cobertor velho. Eu lembro do papai vindo da rua cheio de sacolas. Um dia em que o arroz e o feijão foram um deleite. Sacolas com cobertores novos. Nesse tempo todo fora deu pra aprender algumas coisas, e uma delas é: compre muitos cobertores, milhões de cobertores se puder, mas nunca jogue fora os que participaram da sua infância, você vai se lembrar deles. Esse cobertor, que agora mais parece pano de chão, era branco de bolinhas azuis, lindo. Ainda quando pequena, talvez dez, talvez nove, eu de mão dada com a mamãe, desviando o caminha da escola sem nenhum motivo real, vi uma boneca numa vitrine com um vestido exatamente da mesma estampa desse cobertor. E acho que não posso referir à minha vida cena mais prazerosa. Aquela era a boneca mais linda que já havia visto. Não haveria criança menina que não concordasse comigo. Daquele dia em diante, eu fiz a mamãe desviar o caminho pra escola todos os dias, só pra que passássemos na frente da mesma loja. De noite antes de dormir eu pegava esse cobertor que está me cobrindo agora - Como eu senti a sua falta! - que ainda não tinha essa cara de velhinho, e brincava, contava histórias, segura assim, como se fosse a minha criança. E era o suficiente. Se lá naquele tempo distante me perguntassem, eu diria que queria sim aquela boneca de vestido de bolinhas, mas agora eu acho que não, eu nunca quis realmente. Imaginar que eu a tinha era o suficiente. Era o suficiente. A vida foi passando e eu perdi o rumo, quando eu olhei minha mamãe não tinha mais colo. Aprendi a dar boa noite de verdade à porteiros. Eles são boa companhia. Aprendi que sonhar é dormir, e que sendo assim, o sonho americano é nada mais que um longo período de sono. Uma pausa na vida. É como se apertasse a tecla mute, em tudo. O silêncio das noites me fez ouvir pra dentro, me fez ouvir que a palavra “sufiente” tem significado, e mais, que tem um significado lindo. Acho que na verdade passei esses anos todos procurando esse cobertor de bolinhas azuis. Achei que podia encontrá-lo em baixo da neve, a minha única boneca.

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