sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sozinho no quarto

De tempos em tempos eu me calo pra ver passar a tempestade. Pra ver passar a tempestade. Instala-se, assim, um silêncio absurdo.
no entanto,
ouve-se de longe o barulho marcado do relógio.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para os que acreditam em fantasmas aqui vai o prelúdio de um sonho

Prólogo de "Delírio em Terra Quente"

Dizem que quando se morre, o primeiro minuto é o mais importante. Depois vem todos os outros, todos do mesmo tamanho... o primeiro minuto é maior que é pra ter tempo de entender que está morto. É que as pessoas falam palavras grandes antes de morrer, aí o tempo se confunde, e pra haver compreensão acaba se dilatando. Logo antes de morrer a pessoa se torna lúcida, se mete a falar coisas que, descoladas, quase não fazem sentido. As vezes são frases sérias, as vezes são banais. o interessante é que todos param, todos dão ouvidos as últimas palavras... "Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam..."
(citação entre aspas: Pablo Neruda, trecho retirado do poema "Saudade")

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Nada espera por mim!

Escalei com todos os ossos do meu corpo, empilhei pedaço por pedaço, abri espaços longos nas minhas articulações, me equilibrei, meio desequilibrado, na ponta dos meus pés. Ainda assim não consegui ver por cima do muro. Estou pendurado na incerteza da ignorância. Sei que depois do muro tem um jardim de grama verde e extensa, com os mais variados tipos de bromélias, com rosas brancas; sei que depois do muro tem uma árvore forte, com flores azuis; que depois do jardim tem uma casa no estilo colonial, com paredes brancas, pilastra e janelas grandes; que dentro dessa casa tem móveis antigos, cômodas da moda de outro tempo; que dentro dessa casa tem sofás com o estofado cheiroso; que lá a beleza se faz na rotina da existência; sei que há cupins nos armários, mas que isso é aceitável para que mesmo com toda serenidade haja algum pranto fazendo real a felicidade que existe lá. Tudo isso espera por mim. É preciso esperar que chuva chegue bem forte para que o muro se derrube sobre o céu, se estilhasse em pequeninas partículas voando para o espaço. Para que então eu entre, pisando na terra com os pés descalços, sentindo o poder de me sujar de lama. Eu poderia pular agora mesmo, e não só tentar ver o que me espera pra eu descansar, o esforço seria grande, mas a dor seria recompensada. Contudo, pular não é alternativa frutífera. Pois depois do muro há apenas um abismo sem fim.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Carta para um suicida

Eu poderia continuar por anos. Eu acordaria de novo, todos os dias. Eu dormiria de novo. É assim que se faz quando se está andando. O que espero de vocês não é compreensão, espero apenas que vocês continuem.

Essa noite, antes de dormir eu fiquei sentindo o meu coração bater. Primeiro do lado esquerdo do peito, depois no ombro, depois na barriga, no braço, na perna, nos pés. Meu coração bate no meu corpo inteiro, o tempo todo.


E se eu continuasse, o que faria com esse pulso silencioso que me agride o corpo?

E se eu continuasse, sempre seria isso, eu ia acordar de novo, eu iria dormir de novo. O pulso surdo e mais nada.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Para quatro amigos solitários

Eu não gosto de relógios barulhentos. Tenho sempre a impressão de que eles, os relógios barulhentos, se deliciam em nos dizer que estão passando as horas. Só podemos percebê-los durante a madrugada.

"Tac", um minuto... "Tac" outro.

São como um compasso que ditam as batidas surdas do peitoafeto. Nos tornamos seres atentos as miudezas sonoras. Há uma certa beleza nessa solidão acompanhada. Com um pouco de vinho é a velha e bem conhecida grande Beleza de qualquer coisa.

Sentados no sofá vermelho, esperando a vida se tornar menos etílica, escutando as batidas surdas uns dos outros. Parados. As tristezas cotidianas, os relógios barulhentos, "tac", "tac" é assim que ocupamos o nosso silêncio.
Uma boa noite, um bom dia,
e caso eu não os veja mais; uma boa vida!

domingo, 11 de julho de 2010

Diálogo

Ele: Sim, eu já estou indo. O instituto médio legal é perto daqui. Preciso só de alguns minutos pra descansar. É que eu andei muito hoje, estou sentindo minhas pernas bambas.

Eu: …

Ele: Parece que algo súbito aconteceu, não sei bem se foi enfarto ou atropelamento. Eu não consigo pensar sobre isso direito. Acho que na verdade estou esperando pra pensar sobre isso depois. Se eu deixar pra pensar depois posso resolver melhor o que tem de prático pra fazer por agora.

Eu: …

Ele: Não havia ninguém lá, ninguém conhecido. Justo hoje. Eu sei que andar rodeado não significa necessariamente não estar só. Mas é que não tinha ninguém lá. Me dá um dos seus cigarros?

Eu: …

Ele: Não, eu não fumo.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Depois daquele beijo

Hoje me ocorreu que entrei em choque por esse período desde de 23 de Abril. Apenas não respondia mais aos estímulos. Quando se tem uma experiência de vida forte, é preciso tempo pra que as outras coisas retornem ao seu peso real.

Perdi um grande amigo nesse meio tempo, um amigo que morreu pelos pulmões. A morte por asfixia é das mais simbólicas. Morrer sem ar pra respirar é morrer por algo que sempre acontece, mas que nunca nos mata. Não é sempre que se tem ar pra respirar. E cotidianamente nos perdemos coisas, perdemos pessoas. A perda faz parte da rotina, faz parte do estar vivo, mas não há o que notar, é simples, perdemos pelo caminho dia atrás de dia.

Perder um amigo é ver a felicidade enfartando. Nem sempre há saída simples pra acontecimentos simples. Deixar que os céus se acalmem parece ser o mais sensato, mesmo comigo não acreditando em sensatez. Pular do trem em movimento só faz ralar na brita. Estar em choque está compreendido exatamente entre pular e deixar-se acalmar. É como uma pausa na respiração. Só que pausar não mata por asfixia.

domingo, 25 de abril de 2010

Quando o desejo se torna saudade

(sugestão de trilha sonora: - http://www.youtube.com/watch?v=8gLWTtlMwo4&feature=player_embedded

agora sim a música tem tudo a ver... mas sei lá. escuta enquanto lê)

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Primeiro os olhares risonhos. Já está decidido, haverá o beijo, é apenas uma questão de segundos. Dez anos que esperam por mais poucos segundos. Uma história de exatos dez anos e poucos segundos. Toda espera é a de Beckett por Godot. Não há fim até que em algum momento o desejo se cumpre e a expectativa acaba.Os olhares risonhos já se acariciam, os olhares já se tocam, já se beijam. A aproximação física é depois do ato. É o começo do fim, a suspensão do vento, é o inacreditável se ocupando de si próprio. O toque dos lábios, ah o toque dos lábios! O toque dos lábios é começo da saudade, é o pior momento, é nele que se descobre o que se esteve perdendo por tanto tempo, o que continuará inalcançável, exceto no preciso recorte do momento beijo. Depois o toque das línguas, maciiiiiiiiiio.E por fim a saudade, outros exatos dez anos e poucos segundos.

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sonhei essa noite

sexta-feira, 26 de março de 2010

Conclusão de coisa alguma

Usamos palavras de mais. Por mais que o que se via eram somente os gestos. Falamos, falamos, falamos. Pouco parou pra escutar, não é assim que funciona. Nos pusemos à mostra. Sentamos na vitrine. Expostos. Talvez seria esse o melhor momento para o trabalho dos nossos ouvidos, mas não. Não é permitido. O combinado implícito é justamente o oposto, se ponha às ofertas e fale sem parar, somente assim o acreditam... É a loucura daquilo que não para, do que não pensa. Estar vivo e vivendo é cheio de consequências, as vezes idiotas. Cheio de surdez e de grito… por outro lado. Depois de tanto, fomos vistos. Até mais que isso: fomos apreciados. Aplaudidos. Nos disseram que fomos bravos, que pisamos em terra firme mesmo sem ver que estávamos andando.

Obrigado.

Mas depois do movimento, da fúria, do tumulto, eu apenas me pergunto: pra que tanto?

quinta-feira, 11 de março de 2010

Só mais um segundo

Com o papel todo gotejado de sangue e lágrima eu continuo a carta. Tudo que havia de importante a ser dito está no precede o que estou escrevendo. Agora vou me prender ao desnecessário, ao dispensável. [Talvez se antes, se bem antes o desnecessário tivesse sido escutado, não estaria ele sendo escrito]. Hoje mais cedo eu pus música alta pra chorar e ver se encolhia. Eu lembro como se fosse ontem você me falando “chora muito não se não encolhe, a lágrima que te cai acaba por te faltar”. Talvez se eu fosse bem menor do que sou, se fosse apenas um décimo, então teria também apenas um décimo desse calor vazio que me aperta o peito nesse momento. E por falar em momento, por que a gente deixou passar os nossos momentos? Momento é coisa que só se consegue contar em segundos. que passa rápido demais. Que mesmo quando vivido intensamente não é capturado. Não é manipulado. Nós deixamos os nossos passar. Eles eram bobos demais pra gente. Talvez então, o nosso fim seja contado nesses mesmos segundos perdidos. Ah, meu amor! Ninguém esperava que algo de volume tão pequeno pudesse fazer tamanha diferença nos caminhos escolha. Esse pequenos ensejos de vida eram a nossa cumplicidade. Era nos olhares que éramos irmãos de crime, detentores do segredo. Apesar da aparente desimportância dos nossos quase insignificantes momentos, são eles os que eu sinto que mais vão me amargar.

Faltamos com nós mesmos. Preocupados em sermos maduros, envelhecemos quinze anos em cinco. Deixamos de lado o que era apenas divertido. É da natureza das coisas que agora estejamos sendo penalizados por isso. Uma espécie de justiça divina o nosso martírio. As coisas não mudam assim tão de repente, ainda hoje eu olho pra você e me enxergo humanamente melhor, mas me parece que tudo isso não vale mais. E talvez não valha também sequer mais uma palavra.

Meta-metade

Voltei. Mas vim de vinda passageira. Não sei bem a que deve esse retorno inesperado. Talvez apenas para explicar a minha ausência delongada, que ainda não conheceu o seu final. Tanta coisa aconteceu, tanta. Trechos, palavras, pedaços, retalhos, uma frase que me vinha, que me parecia certa, forte. E ainda assim eu a esquecia, sem utilizá-la em absolutamente nada, sem desenvolvê-la, sem acreditá-la. Certos impulsos criativos não devem ser respeitados. São mais felizes se mortos. Alguns outros apenas não valem o esforço. Mas alguns poucos, que não necessariamente são os maiores ou os mais geniais, poucos mesmo, devem ser escutados, devem ser respondidos, devem ser abraçados. Eles são a vida de um momento. É o que eu gosto de chamar de momentovida. São fortes por sua natureza. Tem em sua essência uma necessidade de continuação, de atenção. São como um coração recém nascido que bate agudo e desesperado em milhões de pontadas por segundo, sem saber se ao final de um pulso haverá o outro. Ou são como um velho coração que não se impõe, mas que bate forte e ganha seu espaço pelo tempo de espera e pela experiência de saber bater. Não há paradoxo que os explique. Estes momentovida são, portanto, incomensuráveis, quase indecritíveis.

Esses impulsos me faltaram. Ainda me faltam. E assim vai se seguindo o meu silêncio, a minha desistência... Aos que já se habituaram à minha constância, desculpa. Aos que ainda se habituarão, desculpa.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

No susto

Sabe o que eu assim de repente acabei de notar?
Que exatamente hoje faz dez ou dose anos que a gente não se vê.

Já nem me lembro mais que você tem rosto.
Meu Deus! Está viva?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eu fico aqui pensando...

O vento passa e leva, o vento passeia
Passeia entre as coisas e as pessoas
o que tem de mais pesado vai sem pressa,
o que tem de mais suave, se apressa.

Pórem, cá estamos nós dois, vivos
Porque até no caminho do vento tem pedra.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Meu vício

Tem alguém aqui pronto pra falar da bizarrisse das coisas? Da beleza e superficialidade do que resta? Porque eu estou tentando parar. Na verdade, não tenho outra escolha.
Com o tempo, tudo tem a possibilidade de se tornar um vício. Preste bastante atenção nisso, pois tudo, mesmo parecendo apenas uma mania boba, tem sempre a possibilidade de se tornar um vício, bom ou pernicioso, tanto faz.
Pra ser o mais sincero possível, eu devo dizer, que o que está me acontecendo é que o que antes era um prazer infindado, agora é meu tormento. Pois não há mais o que dizer. Esgotaram-se as minhas fontes, e assim, esgotaram-se as minhas palavras. Não me expresso mais.
Não é de se surpreender que algo assim aconteça. Nunca vi nada demais nessa vida, tenho a mesma memória de qualquer homem de quarenta anos, uma vida passada sem grandes acontecimentos, sem nenhum heroísmos histórico. E minha imaginação também não é lá grande coisa assim.
O melhor que me vem, é um monte de imagens em completa desorganização, imagens que me fazem ter a ânsia de descrevê-las, mas que estão em tamanha desordem que nada posso fazer senão me render a sua loucura. E dessa loucura obscura nada se extrai.
Me encontro no fiasco do que dizer. A absoluta falta de assunto, falta de personagens, planos ou não. A plena incapacidade de matar, ou até mesmo de dar vida a alguém mirabolado, a falta de técnica, de sabedoria, a falta de vida. A falta de vida. É estranho pensar, mas tudo era a simples necessidade de falar da vida das coisas, falar dos detalhes silenciosos. Ter o relato, a descrição, o pormenor. Mirar os óculos para os pequenos âmbitos efêmeros do que não se percebe. Meu vício. Algo que construísse em si um início e um final, que tivesse num retrato, talhado em palavras, a expressão de uma ação. A busca ideal da compreensão humana. Fazer da parte, o todo, do fragmento, a completude. Isso foi ambição demais. Não tinha o direito de ser esse meu fracasso, justo o que me parecia ser o meu poder. O único lugar onde eu poderia escolher entre o sim e o não. Aonde eu tinha o verbo.
Eram nas histórias do meu mundo particular que eu mantinha o meu elo com o que não é profano, eram nas histórias os meus orgasmo espirituais, o mundo onde eu vivia e morria e vivia e morria, o canto que me refugiava da bandalheira e do oxigênio que sempre me faltava, eram nas histórias que eu me sacramentava... o único lugar onde eu não existia.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Doce declinio

De bom, nada mais sai.

O que tinha algum proveito,

foi corrompido pelo cansaço,

como a flor é esfacelada pelo vento.

O que antes era refresco agora é veneno.

E por ter, em algum momento sentido tanto calor,

agora estou eu aqui, dilacerado, vazado, entregue e desatento.