segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O presente

Construíram um prédio na frente da minha janela. Antes era uma visão daquelas de deslumbrar os olhos. Agora são só janelas. E sempre antes de pegar no sono eu tinha a companhia da cidade inteira, das luzes mais distantes que pareciam estrelas caídas, das luzes mais próximas que não me deixavam pensar que eu estava realmente sozinho. As pessoas me falavam quando eu mudei pra essa cidade grande que aqui ou você encontra com você mesmo ou não encontra ninguém. Eu já tinha encontrado o resto da cidade enquanto ela dormia, mas agora são só janelas. Sequer a luz da lua entra no apartamento mais. Eu estou engolido, girando dentro do estômago de um bicho feito em concreto, pronto pra ser partido em moléculas, abandonado pelo vento. Aqui as pessoas não choram, aqui as janelas não passam de cortinas. Existem quinze milhões de pessoas sozinhas nesse lugar. Pessoas em suas casas, em seus trabalhos, em suas vidas criando histórias de grandes conquistas, passando por cima de túmulos. Fazendo os seus sonhos virarem realidade.
Amanhã eu me formo na faculdade, finalmente. O meu diploma já foi impresso. E será entregue a mim. Talvez eu volte pra casa e dê em um embrulho pra presente a meu pai, não sem antes dar-lhe também um tapa, de mão aberta, na cara. Deixar por pelo menos três, quatro dias, os meus dedos marcados em seu rosto. O que são três dias de marca? Um diploma na parede da sala.

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