sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sozinho em São Paulo

O quarto é pra sete pessoas, em breve chega mais gente. Um, dois, três... seis armários. Vou precisar de apenas um. Os perfumes, as roupas, os livros... quatro. Vou ler todos? Será? Tudo arrumado, com requintes de geometria. Tudo se encaixa, os livros, do maior para o menor empilhados, as roupas em uma monte uniforme. Os perfumes enfileirados. Tudo ocupando um devido quadrado. Tudo pode ser organizado em quadrados. O criado mudo é um quadrado. Um cone é um quadrado. As pessoas, quando chegarem vão ocupar suas camas e quando deitarem, quadrado. Deito na cama, quadrado, olho pro teto e nada. No teto, não tem nada, no quarto não tem nada, apenas quadrados. Uma respiração bem funda, duas respirações bem fundas, trinta respirações bem fundas. Descruzo os braços. Outra respiração bem funda, cruzo as pernas. Respiro de novo, pego um livro. Hora de me apropriar da realidade de outra pessoa. Pois quando leio, quando vejo um filme, quando assisto a uma pessoa que me conta um caso... me aproprio de comum acordo da realidade do outro, eu e o criador. Isso é bem curioso inclusive, o que fica na minha cabeça é o autor, o criador. Talvez por isso não acredito em Deus. Somos nós quem criamos, não Deus. Quinze minutos, trinta minutos, uma hora. Uma hora eu sempre paro. Outro livro? Não, afinal estou em São Paulo. A cidade de todas as tribos. Qual é a minha? Não sei. Tranco meu armário, desço do albergue. É tempo de tomar a cidade, me embebedar com ela. Rua Barão de Campinas, 94, centro. Próximo do metrô da república. Dez minutos de caminhada, uma parada numa banca de jornal e uma surpresa boa, o Carlton é vinte e cinco centavos mais barato. Ainda não sei disso, mas vou precisar muito de cigarro nesta viagem. Metrô lotado, é sempre assim? Gente por todos os lados, um pequena amostra de todas tribos. Antes ainda do trem chegar, fico de pé e reparo. Cada um escondido no seu universo tão particular. Alguns falam, mas a maioria das pessoas está em silêncio, assim como eu. Dentro do metrô começo a observar pra onde as pessoas estão olhando. A maioria está sempre olhando pro nada. Não tem nada no foco do olhar. Interessante. Será que é assim que se faz pra olhar pra dentro de si? Não sei. Saio do metrô e caio dentro de uma peça de teatro. Num prédio na Av. Paulista. De passante me transformo em público. Apenas nomes diferentes pra observador. A peça se chama “Caminhos”, é linda, me deixa a flor da pele. Não sei quem dirigiu, quem escreveu ou quem são os atores. Tudo bem, não preciso saber. Estar à flor da pele é estar perto do choro. Sem chorar. Bato muitas palmas, bate-se palmas pra dizer com as mão que se está à flor da pele. E assim, nesse estado emocional, tudo é tão invasivo, até o som das próprias palmas batendo forte. Desço do prédio, de novo Paulista. Tanta gente, por todos os lados, e já é noite. Tanta gente indo pra não sei aonde. Cada um escondido no seu universo tão particular. Me aconteceu tanta coisa hoje. Cones quadrados; Deus, um ser criado; gente de pé, em silêncio e parada; vida por todos os lados. Acendo um cigarro. Tanta coisa passando pela minha cabeça. Eu pensando e pensando e pensando... O que será que cada uma das pessoas que vi hoje está pensando neste exato minuto? Não sei.

2 comentários:

  1. quanto tempo eu não passava por aki...passei e continuei gostando :)

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  2. São Paulo é um lugar que nunca fui que me causa um certo temor que nem sei de onde vem. Fiquei no meio do caminho, na minha fugidinha básica. Parei em uma cidade que é o meio termo entre Roraima e São Paulo. Dois extremos.

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