domingo, 7 de setembro de 2008

Sobre o tempo ou feito dele (Para Fafá)

Sempre fazia quarenta graus, mas era estranho pensar que só às vezes eu sentia calor no corpo, e naquele dia já há muito tempo estava frio.
Eu sentado na cama, de banho tomado. Um cigarro aceso no cinzeiro, tenho a impressão de que esse cigarro nunca esteve em outro lugar, nunca foi fumado, nunca acabará. Os lençóis desarrumados. Você já reparou numa parede? Branca… Tem alguma coisa na luz que cria desenhos :::::: um pássaro, um círculo, o cruzeiro do sul :::::: Existem momentos [entre gente] que de repente as coisas criam vida. É como se aquela gota de água que escorre pelas costas estivesse me acariciando, me dando força, e o desenho branco na parede branca tem cor.
O chuveiro continua aberto, a porta do banheiro aberta também. A fumaça, leve, embassa o espelho, lenta, embassa a maçaneta de metal… o banho que poderia ser tomado junto foi separado. Assim sendo, porque assim sempre; o círculo, o pássaro, e o cruzeiro, ela está lá limpando o suor. E eu sentado. Os desenhos… Uma vida inteira passada no tempo de um banho e por um triz a certeza… quase tenho certeza Ainda faltava alguma coisa.
Depois de tanto tempo, de tanto desentendimento e de tanto entendimento... Só um... apenas um sorriso sem graça, de canto de boca, diz o que eu não conseguiria falar, escrever, e até mesmo constatar. Existe algo de abstrato nos olhos. O fim não sabe se anunciar, ele é devastador, chega do canto sem fazer barulho, desespera o meio da gente e acalma a nossa alma. Eu que sempre fico sonhando com os filmes, achando que a vida também pára por um momento, que o vaso de flores vermelhas ao fundo foi visto... eu que vivo, sei que coisas assim não fazem a menor diferença. E mesmo sem a poesia o que fica é a fumaça do chuveiro se confundindo com a fumaça do cigarro.

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